Com a Portela no peito, Vick Campos faz da própria trajetória um enredo de verdade
Da ala das crianças ao sonho da coroa, a musa que cresceu na quadra e aprendeu a voar como águia
A história de Vick Campos na Portela não começa em um cargo, começa em um gesto. Começa no colo da mãe, no caminho até a quadra, no olhar de quem ainda era pequena demais para desfilar, mas já grande o suficiente para entender que ali havia um lugar de pertencimento. Antes de ser musa, Vick foi criança da comunidade, foi presença constante, foi passo miúdo que insistia em acompanhar o coração. E quando enfim entrou na Avenida, ainda aos oito anos, cantando a escola como quem se reconhece no próprio canto, a Portela ganhou mais uma filha assumida do seu território afetivo.
O tempo fez o que o samba sempre faz: lapidou. Vick atravessou a ala das crianças, entrou em projeto social, virou passista e permaneceu na linha de frente da dança por muitos anos, até se tornar musa da comunidade. Em 2026, chega ao terceiro ano consecutivo nesse posto, carregando um detalhe que vale mais do que qualquer título: ela não “estreou” na Portela, ela se formou dentro dela. Cada etapa veio como degrau natural, construído com constância, com chão e com a intimidade de quem é vista crescendo, ano após ano, pelos mesmos olhos que hoje pedem foto, abraçam e celebram como se comemorassem uma conquista coletiva.
É por isso que o que ela representa vai além da beleza ou do brilho. Há uma mulher que estuda, que trabalha a própria disciplina, que mantém vínculos com a ala onde nasceu como sambista e que transforma referência em reverência. Quando fala de inspiração, Vick aponta para quem ensinou classe e delicadeza na coordenação, para quem já reina como símbolo da escola e para musas que se tornaram espelho para tantas meninas do samba. Tudo isso aparece como herança e como compromisso: não é copiar gestos, é sustentar um legado com autenticidade.
E existe, claro, o desejo que mora em toda trajetória construída com entrega: o desejo de voar mais alto. Vick não disfarça o sonho antigo de um dia estar à frente da bateria Tabajara do Samba. Fala com respeito, com consciência, com o cuidado de quem entende o peso da coroa e a responsabilidade de ocupar um lugar que pertence, antes de tudo, à comunidade. Para ela, reinar não é ambição vazia; é como “pegar o diploma” de uma vida inteira dedicada à escola. Um fim que seria, ao mesmo tempo, começo de outra história.
Até nos detalhes que parecem menores, a Portela aparece inteira. O figurino, os brilhos, a escolha estética: Vick trata como obra coletiva, entregando liberdade ao ateliê para criar com amor, como quem sabe que o Carnaval também nasce desse tipo de confiança. E quando pensa na fantasia de 2026, o pedido é simples e profundo: representatividade. Porque a musa entende que não entra na quadra apenas por si. Entra levando consigo a trajetória de todas as meninas da comunidade que sonham, que treinam, que cantam e que querem se enxergar ali.
No fim, Vick Campos é esse tipo de personagem raro do Carnaval: a que não chega, pertence. A que não ocupa, constrói. A que não aparece, permanece. E, com a Portela no coração, ela segue fazendo o mais difícil e o mais bonito: transformar vida real em história de Majestade.

